segunda-feira, 27 de agosto de 2012
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
domingo, 12 de dezembro de 2010
A verdade pela verdade do círio de OLHALVO
Nossa Senhora da Nazaré
Da lenda à realidade
Venerada há séculos, a imagem da Nossa Senhora da Nazaré, ainda hoje atrai milhares de peregrinos. É no dia oito de Setembro, feriado municipal, que a população nazarena e outros crentes religiosos se juntam para celebrar a veneração, dedicação e agradecimentos à santa.
Este dia é dedicado à Nossa Senhora da Nazaré desde meados do século XVIII, dia da natividade da Virgem Maria. No período anterior a este século, celebrava-se a cinco de Agosto. Anteriormente ao século XVII, a estátua, encontrada nos rochedos do promontório, era adorada como sendo a Virgem do Leite. Só após o milagre de Dom Fuas Roupinho, a catorze de Setembro de 1182, e com os registos do milagre por Frei Bernardo de Brito, no século XVI, a imagem passou a ser denominada como a imagem de Nossa Senhora da Nazaré. Conta-se até à data quase nove séculos de devoção e crença na Virgem.
Vêm em excursões, de várias partes do país e de todos os cantos do mundo à procura do elemento ainda hoje existente de uma história, que segundo dizem, remonta os primórdios do nascimento de Cristo. Além da imagem da santa, os peregrinos ou simples curiosos procuram ver a marca da pata do cavalo associado à lenda, assim como a Ermida da Memória e o Santuário de Nossa Senhora da Nazaré.
Segundo reza a lenda, a imagem hoje venerada como imagem de Nossa Senhora da Nazaré tem origens de Nazaré da Galileia, esculpida em madeira pelo próprio São José e pintada por São Lucas. Passou por várias mãos e atravessou vários continentes, até ser trazida por Santo Agostinho, para a Península Ibérica, como oferta ao Mosteiro de Cauliniana, em Mérida.
Com a derrota cristã na Batalha de Guadalete, o rei Dom Rodrigo refugiou-se no mosteiro e posteriormente fugiu para ocidente com o Frei Romano, levando consigo a sagrada imagem e alguns bens.
Quando chegaram ao Monte de São Bartolomeu, em Novembro de 714, a viagem em conjunto terminou, uma vez que o rei Dom Rodrigo quis viver isolado no monte. Após a sua decisão, o Frei Romano dirigiu-se para o promontório, levando consigo todas as relíquias. Para comunicarem e darem um sinal de vida, os dois acordaram acender, no final de todas as tardes, uma fogueira ao cimo do monte onde viviam. Um dia, Dom Rodrigo quebrou o seu isolamento ao não avistar o sinal de fogo do seu companheiro. Dirigiu-se para o promontório, altura em que constatou que o seu amigo havia falecido.
Após sepultar o corpo do Frei, junto do abrigo, que este tinha construído e onde guardava a imagem e os outros bens, Dom Rodrigo partiu. No local deixou esquecidos todos os objectos que os tinham acompanhado durante a viagem.
A imagem permaneceu naquele local ao longo de quatro séculos. Dizem ter sido encontrada no século XII, primeiramente por pastores que deambulavam pelas matas circundantes, mas outra face da história, diz ter sido encontrada por Dom Fuas Roupinho, alcaide-mor de Porto de Mós, numa das suas habituais caças pela região. Após ter descoberto a imagem da Virgem, começou a venerá-la desde aquele momento, representando desta forma um dos seus símbolos de fé.
Reza a lenda que num dia nublado de caça habitual pelas redondezas, Dom Fuas Roupinho perseguia um cervo que o conduziu até à beira do precipício. Quando o cavaleiro percebeu que estava prestes a sofrer um fatal acidente, invocou a protecção da virgem. Nesse preciso momento apareceu a imagem da virgem com o menino ao colo, e o cavalo estacou na pedra, poupando a vida do cavaleiro. Ainda hoje é visível na rocha, o que dizem ser a marca da pata do cavalo.
Como agradecimento, o cavaleiro, alcaide de Porto de Mós e almirante de D. Afonso Henriques, doou aquele território à Senhora da Nazaré e mandou ali edificar uma ermida, no Bico da Memória, em homenagem à Virgem. Em 1377, Dom Fernando, rei de Portugal, mandou construir uma igreja, que posteriormente se transformou no magno Santuário de Nossa Senhora da Nazaré. A imagem foi trasladada para o Santuário e, em 1600, o Frei Bernardo de Brito, desobstruiu a gruta subterrânea e colocou nela um letreiro em que registava a “estória” da Sagrada Imagem.
Desde que o milagre de Nossa Senhora da Nazaré aconteceu, os rumores se espalharam atraindo milhares de peregrinos que ainda hoje visitam a Nazaré em romaria, para apreciar e visualizar os elementos vivos da lenda.
Após o dito milagre, e da proliferação do acontecimento, começaram a chegar ao local os primeiros romeiros e nobres da corte. A história foi registada pela primeira vez pelo monge Bernardo de Alcobaça, Frei Bernardo de Brito, no século XVI. Foi a partir desta altura que a imagem começou a ser associada a Dom Fuas Roupinho e a partir do século XVII foi proclamada como Nossa Senhora da Nazaré.
Desde o milagre, e com a difusão dos escritos, houve um aumento significativo do número de romeiros, crentes e de ofertas à virgem, não só pelos visitantes, mas também pelo povo nazareno. Algumas dessas dádivas estão junto à santa, no Santuário de Nossa Senhora da Nazaré, são vários os objectos valiosos, entre eles são visíveis muitas jóias em ouro e prata.
Os devotos rapidamente aceitaram e acreditaram na narrativa, uma vez que eram visíveis alguns dos elementos fundamentais da lenda, não descorando o prestígio e credibilidade do Mosteiro de Alcobaça. Além da oralidade dos devotos e da versão escrita, em diversas línguas, o milagre foi replicado também em registos iconográficos e aceite pela Coroa Portuguesa ao proteger os direitos jurisdicionais da Irmandade e do rei sobre o local, aquando da doação do território por Dom Fuas Roupinho.
A mistura do religioso e do profano
A devoção à Nossa Senhora da Nazaré permanece viva até aos nossos dias. É no mês de Setembro que as gentes se juntam e lembram o aparecimento e milagre associado à Santa. Entre festas e culto religioso, as celebrações estendem-se durante a primeira metade do mês, sendo que, é no dia oito de Setembro o dia dedicado à Nossa Senhora da Nazaré, desde o século XVIII.
O programa religioso, de 30 de Agosto a catorze de Setembro, contempla a novena preparatória no Santuário, de 30 de Agosto a sete de Setembro e as celebrações Eucarísticas, de um a catorze do mesmo mês. Mas é no dia oito que há um maior número de celebrações, nomeadamente o hastear das bandeiras e a procissão solene, com a imagem da santa. No dia treze, na parte da manhã, além da Eucaristia no Santuário, antecedida pela presença dos Círios das paróquias de Olhalvo e Penela, há a missa no período da tarde. O programa é encerrado no dia catorze, com a missa solene às onze horas.
Relativamente ao programa das festividades, há um conjunto de animações que dão vida e cor ao Parque Atlântico, local onde se celebram actualmente as conhecidas “Festas do Sítio”, ou as festas em honra de Nossa Senhora da Nazaré, de cinco a catorze do mês corrente.
Do elenco de eventos fazem parte alguns concertos, danças, gastronomia, fogo-de-artifício, a feira, com todo o tipo de actividades comerciais e várias diversões, além da tradicional tourada no dia oito, na Praça de Touros da Nazaré.
Os Círios
Desde o século XVII foram muitos os povos, de diversas localidades, que se deslocaram em romaria para prestar devoção à Nossa Senhora da Nazaré. Estão registados peregrinações colectivas provenientes da Pederneira, Penela, Santarém, Coimbra, Sintra, Colares, Mafra, São Pedro de Dois Portos, Almargem do Bispo, Óbidos, Porto de Mós, Alcobaça e Alhandra, pertencentes a cerca de 36 círios diferentes.
Actualmente já se contam um menor número. São dois os círios que ainda hoje estão presentes nas celebrações religiosas anuais, nomeadamente, o círio da Prata Grande e de Olhalvo. Contudo, o culto à Nossa Senhora da Nazaré é anterior a esta data, apesar de não haver registos físicos do mesmo, julga-se que as peregrinações colectivas remontam o início do século XV, e a crença na Imagem de Nossa Senhora da Nazaré começou a ganhar destaque a partir do milagre de Dom Fuas Roupinho, em 1182.
Segundo o autor de Tradições Religiosas entre o Tejo e o Sado, Luís Marques, um círio “é uma confraria popular que anualmente se desloca a um santuário, em cumprimento da promessa antiga e colectiva feita pela povoação, em tempos idos”. Esta promessa pode ser apenas o compromisso em venerar a imagem.
No caso de Nossa Senhora da Nazaré, os círios deslocam-se em romaria, no dia oito de Setembro, no sentido de prestar homenagem e devoção à Virgem.
Feriado Municipal
Não é desde sempre que o feriado municipal se festeja no mesmo dia dedicado à Nossa Senhora da Nazaré. De 1899 até 1951, o feriado municipal era comemorado no dia três de Setembro, dia em que se celebrava a restauração do concelho de Pederneira. Outrora, o concelho de Pederneira designou toda a vila e território que hoje conhecemos com a denominação de Nazaré.
Este dia era celebrado por várias festividades, que foram perdendo dimensão ao longo do tempo, e com a ajuda de mudanças legislativas nacionais, que estabeleceram novas normas para os feriados municipais, este dia acabou por cair no esquecimento.
Desta forma, actualmente o dia de feriado municipal, feriado religioso, festeja-se a oito de Setembro, dia devoto a Nossa Senhora da Nazaré. O aniversário da restauração do concelho de Pederneira caiu no esquecimento e hoje não há qualquer celebração no concelho, deste importante facto histórico.
Da lenda à realidade
Venerada há séculos, a imagem da Nossa Senhora da Nazaré, ainda hoje atrai milhares de peregrinos. É no dia oito de Setembro, feriado municipal, que a população nazarena e outros crentes religiosos se juntam para celebrar a veneração, dedicação e agradecimentos à santa.
Este dia é dedicado à Nossa Senhora da Nazaré desde meados do século XVIII, dia da natividade da Virgem Maria. No período anterior a este século, celebrava-se a cinco de Agosto. Anteriormente ao século XVII, a estátua, encontrada nos rochedos do promontório, era adorada como sendo a Virgem do Leite. Só após o milagre de Dom Fuas Roupinho, a catorze de Setembro de 1182, e com os registos do milagre por Frei Bernardo de Brito, no século XVI, a imagem passou a ser denominada como a imagem de Nossa Senhora da Nazaré. Conta-se até à data quase nove séculos de devoção e crença na Virgem.
Vêm em excursões, de várias partes do país e de todos os cantos do mundo à procura do elemento ainda hoje existente de uma história, que segundo dizem, remonta os primórdios do nascimento de Cristo. Além da imagem da santa, os peregrinos ou simples curiosos procuram ver a marca da pata do cavalo associado à lenda, assim como a Ermida da Memória e o Santuário de Nossa Senhora da Nazaré.
Segundo reza a lenda, a imagem hoje venerada como imagem de Nossa Senhora da Nazaré tem origens de Nazaré da Galileia, esculpida em madeira pelo próprio São José e pintada por São Lucas. Passou por várias mãos e atravessou vários continentes, até ser trazida por Santo Agostinho, para a Península Ibérica, como oferta ao Mosteiro de Cauliniana, em Mérida.
Com a derrota cristã na Batalha de Guadalete, o rei Dom Rodrigo refugiou-se no mosteiro e posteriormente fugiu para ocidente com o Frei Romano, levando consigo a sagrada imagem e alguns bens.
Quando chegaram ao Monte de São Bartolomeu, em Novembro de 714, a viagem em conjunto terminou, uma vez que o rei Dom Rodrigo quis viver isolado no monte. Após a sua decisão, o Frei Romano dirigiu-se para o promontório, levando consigo todas as relíquias. Para comunicarem e darem um sinal de vida, os dois acordaram acender, no final de todas as tardes, uma fogueira ao cimo do monte onde viviam. Um dia, Dom Rodrigo quebrou o seu isolamento ao não avistar o sinal de fogo do seu companheiro. Dirigiu-se para o promontório, altura em que constatou que o seu amigo havia falecido.
Após sepultar o corpo do Frei, junto do abrigo, que este tinha construído e onde guardava a imagem e os outros bens, Dom Rodrigo partiu. No local deixou esquecidos todos os objectos que os tinham acompanhado durante a viagem.
A imagem permaneceu naquele local ao longo de quatro séculos. Dizem ter sido encontrada no século XII, primeiramente por pastores que deambulavam pelas matas circundantes, mas outra face da história, diz ter sido encontrada por Dom Fuas Roupinho, alcaide-mor de Porto de Mós, numa das suas habituais caças pela região. Após ter descoberto a imagem da Virgem, começou a venerá-la desde aquele momento, representando desta forma um dos seus símbolos de fé.
Reza a lenda que num dia nublado de caça habitual pelas redondezas, Dom Fuas Roupinho perseguia um cervo que o conduziu até à beira do precipício. Quando o cavaleiro percebeu que estava prestes a sofrer um fatal acidente, invocou a protecção da virgem. Nesse preciso momento apareceu a imagem da virgem com o menino ao colo, e o cavalo estacou na pedra, poupando a vida do cavaleiro. Ainda hoje é visível na rocha, o que dizem ser a marca da pata do cavalo.
Como agradecimento, o cavaleiro, alcaide de Porto de Mós e almirante de D. Afonso Henriques, doou aquele território à Senhora da Nazaré e mandou ali edificar uma ermida, no Bico da Memória, em homenagem à Virgem. Em 1377, Dom Fernando, rei de Portugal, mandou construir uma igreja, que posteriormente se transformou no magno Santuário de Nossa Senhora da Nazaré. A imagem foi trasladada para o Santuário e, em 1600, o Frei Bernardo de Brito, desobstruiu a gruta subterrânea e colocou nela um letreiro em que registava a “estória” da Sagrada Imagem.
Desde que o milagre de Nossa Senhora da Nazaré aconteceu, os rumores se espalharam atraindo milhares de peregrinos que ainda hoje visitam a Nazaré em romaria, para apreciar e visualizar os elementos vivos da lenda.
Após o dito milagre, e da proliferação do acontecimento, começaram a chegar ao local os primeiros romeiros e nobres da corte. A história foi registada pela primeira vez pelo monge Bernardo de Alcobaça, Frei Bernardo de Brito, no século XVI. Foi a partir desta altura que a imagem começou a ser associada a Dom Fuas Roupinho e a partir do século XVII foi proclamada como Nossa Senhora da Nazaré.
Desde o milagre, e com a difusão dos escritos, houve um aumento significativo do número de romeiros, crentes e de ofertas à virgem, não só pelos visitantes, mas também pelo povo nazareno. Algumas dessas dádivas estão junto à santa, no Santuário de Nossa Senhora da Nazaré, são vários os objectos valiosos, entre eles são visíveis muitas jóias em ouro e prata.
Os devotos rapidamente aceitaram e acreditaram na narrativa, uma vez que eram visíveis alguns dos elementos fundamentais da lenda, não descorando o prestígio e credibilidade do Mosteiro de Alcobaça. Além da oralidade dos devotos e da versão escrita, em diversas línguas, o milagre foi replicado também em registos iconográficos e aceite pela Coroa Portuguesa ao proteger os direitos jurisdicionais da Irmandade e do rei sobre o local, aquando da doação do território por Dom Fuas Roupinho.
A mistura do religioso e do profano
A devoção à Nossa Senhora da Nazaré permanece viva até aos nossos dias. É no mês de Setembro que as gentes se juntam e lembram o aparecimento e milagre associado à Santa. Entre festas e culto religioso, as celebrações estendem-se durante a primeira metade do mês, sendo que, é no dia oito de Setembro o dia dedicado à Nossa Senhora da Nazaré, desde o século XVIII.
O programa religioso, de 30 de Agosto a catorze de Setembro, contempla a novena preparatória no Santuário, de 30 de Agosto a sete de Setembro e as celebrações Eucarísticas, de um a catorze do mesmo mês. Mas é no dia oito que há um maior número de celebrações, nomeadamente o hastear das bandeiras e a procissão solene, com a imagem da santa. No dia treze, na parte da manhã, além da Eucaristia no Santuário, antecedida pela presença dos Círios das paróquias de Olhalvo e Penela, há a missa no período da tarde. O programa é encerrado no dia catorze, com a missa solene às onze horas.
Relativamente ao programa das festividades, há um conjunto de animações que dão vida e cor ao Parque Atlântico, local onde se celebram actualmente as conhecidas “Festas do Sítio”, ou as festas em honra de Nossa Senhora da Nazaré, de cinco a catorze do mês corrente.
Do elenco de eventos fazem parte alguns concertos, danças, gastronomia, fogo-de-artifício, a feira, com todo o tipo de actividades comerciais e várias diversões, além da tradicional tourada no dia oito, na Praça de Touros da Nazaré.
Os Círios
Desde o século XVII foram muitos os povos, de diversas localidades, que se deslocaram em romaria para prestar devoção à Nossa Senhora da Nazaré. Estão registados peregrinações colectivas provenientes da Pederneira, Penela, Santarém, Coimbra, Sintra, Colares, Mafra, São Pedro de Dois Portos, Almargem do Bispo, Óbidos, Porto de Mós, Alcobaça e Alhandra, pertencentes a cerca de 36 círios diferentes.
Actualmente já se contam um menor número. São dois os círios que ainda hoje estão presentes nas celebrações religiosas anuais, nomeadamente, o círio da Prata Grande e de Olhalvo. Contudo, o culto à Nossa Senhora da Nazaré é anterior a esta data, apesar de não haver registos físicos do mesmo, julga-se que as peregrinações colectivas remontam o início do século XV, e a crença na Imagem de Nossa Senhora da Nazaré começou a ganhar destaque a partir do milagre de Dom Fuas Roupinho, em 1182.
Segundo o autor de Tradições Religiosas entre o Tejo e o Sado, Luís Marques, um círio “é uma confraria popular que anualmente se desloca a um santuário, em cumprimento da promessa antiga e colectiva feita pela povoação, em tempos idos”. Esta promessa pode ser apenas o compromisso em venerar a imagem.
No caso de Nossa Senhora da Nazaré, os círios deslocam-se em romaria, no dia oito de Setembro, no sentido de prestar homenagem e devoção à Virgem.
Feriado Municipal
Não é desde sempre que o feriado municipal se festeja no mesmo dia dedicado à Nossa Senhora da Nazaré. De 1899 até 1951, o feriado municipal era comemorado no dia três de Setembro, dia em que se celebrava a restauração do concelho de Pederneira. Outrora, o concelho de Pederneira designou toda a vila e território que hoje conhecemos com a denominação de Nazaré.
Este dia era celebrado por várias festividades, que foram perdendo dimensão ao longo do tempo, e com a ajuda de mudanças legislativas nacionais, que estabeleceram novas normas para os feriados municipais, este dia acabou por cair no esquecimento.
Desta forma, actualmente o dia de feriado municipal, feriado religioso, festeja-se a oito de Setembro, dia devoto a Nossa Senhora da Nazaré. O aniversário da restauração do concelho de Pederneira caiu no esquecimento e hoje não há qualquer celebração no concelho, deste importante facto histórico.
quarta-feira, 8 de dezembro de 2010
Cirio de OLHALVO e a sua TRADIÇÃO.
Círios e Peregrinações
Devido a falta de documentação não podemos afirmar com certeza a data ou as origens do culto à Nossa Senhora da Nazaré. Segundo o historiador Pedro Penteado a história deste lugar sagrado encontra-se pouco documentada para o período anterior ao século XVII. Sabe-se contudo, que já era conhecido na centúria de trezentos. O culto, que decorria numa ermida litorânea que o rei D. Fernando teria mandado alargar em 1377, centrava-se numa imagem medieva da Virgem do Leite, sob a invocação de Santa Maria de Nazaré [1].
Tudo aponta para que este culto seja, de facto, bastante antigo, até porque como diz o etnólogo Moíses Espírito Santo, os cultos populares não são criados por ninguém. Resultam dum acumulado de vivências não referidas por escrito, até que eventualmente um escritor os descubra, revele e reinterprete, proporcionando assim a sua difusão e, com isso, o seu desenvolvimento. É o que se teria também passado com a lenda e o culto da Senhora da Nazaré [2].
Tal como hoje, os homens sempre tiveram a necessidade de procurar um contacto mais próximo/intimo com Deus. Esta procura traduziu-se muitas vezes na realização de peregrinações aos locais onde o divino tinha já manifestado a sua presença, como foi o caso do Santuário de Nossa Senhora da Nazaré.
Na obra A Senhora da Berlinda, dedicada ao estudo de uma das mais importantes peregrinações à Senhora da Nazaré – o Círio da Prata Grande – Pedro Penteado afirma que alguns autores defendem que as peregrinações colectivas ao Sítio tiveram início no século XV. Contudo se exceptuarmos o caso da Confraria da Pederneira, que ali festejava a 5 de Agosto e regressava no mesmo dia, não há conhecimento de visitas comunitárias ao santuário antes de 1608 - 1610, anos em que surgem as primeiras referências documentais explícitas às confrarias de Coimbra e de Penela, a mais antiga de todas. As grandes peregrinações só se efectuaram a partir do momento em que foram criadas condições específicas para o seu acolhimento, com a construção das “casas grandes dos romeiros” e o aparecimento das primeiras habitações no povoado, no início do século XVII. Assim, pode afirmar-se que foi apenas depois da Senhora de Nazaré ter dado provas da sua capacidade de protecção individual dos devotos que aumentou o número destas manifestações religiosas, as quais contribuíram para o revigoramento do santuário [3].
Os círios à Virgem de Nazaré constituíram-se como uma das manifestações religiosas mais importantes do Santuário, sendo referidos como tal nas obras Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa Senhora da Nazaré de Manuel de Brito Alão, publicada pela primeira vez no ano de 1627 [4] e, Memórias da Real Casa de N. S. da Nazareth, obra manuscrita de José d’Almeida Salazar, de 1844.
O Santuário de Nossa Senhora da Nazaré recebia a visita de círios de vários pontos do país. Brito Alão refere no seu livro as peregrinações, organizadas geralmente por confrarias, provenientes da Pederneira, Penela, Santarém, Coimbra, Sintra, Colares, Mafra “e seus termos”, São Pedro de Dois Portos, Almargem do Bispo, Óbidos “e seu termo”, Porto de Mós, Alcobaça e Alhandra.
Mas quais seriam as razões que levavam estas populações a acorreram ao santuário do Sítio? Pedro Penteado, no seu estudo sobre o Santuário, fala-nos de um conjunto de motivações diversificadas [5], mas aponta como factor principal as motivações religiosas e, em alguns casos, mágicas (…). Um estímulo considerável à deslocação consistia na satisfação das promessas à Virgem, por parte dos crentes. Eram estas que traduziam a sua capacidade em ouvir e atender os fiéis, nos momentos mais difíceis da sua vida. Por isso, o agradecimento à Virgem, na sua “casa própria”, era um reconhecimento da sua grandeza e um pedido humilde dos peregrinos para que a Mãe de Cristo continuasse a interceder pela satisfação das suas súplicas. Mas esse reconhecimento podia assumir características colectivas, traduzindo-se na participação do peregrino na festa que os homens da sua comunidade organizavam à Senhora da Nazaré, no seu Santuário. Outros vinham adorar a divindade local onde a oração mais íntima possuía uma eficácia particular ou, pura e simplesmente, solicitar-lhe a realização de um milagre. Também o contacto com a terra, a rocha ou o vestuário que tinha estado próximos da Sagrada Imagem da Senhora, forneciam ao peregrino um conjunto de benefícios e protecções que dificilmente teria se permanecesse na sua comunidade de origem. Muitos peregrinos vinham ali pedir a protecção da Virgem para a sua vida quotidiana, prometendo regressar com as suas ofertas se fossem devidamente premiados com a atenção da Senhora. Outros solicitavam-lhe o fim das doenças que os apoquentam ou invocavam-na para que afastasse deles o demónio e os seus agentes, conservando-os longe dos caminhos do Mal. Não esqueçamos que a Senhora de Nazaré manifestara, no caso de D. Fuas, a sua propensão para evitar a queda dos seus devotos no abismo provocado pela atracção de Satanás [6].
As muitas comunidades que se deslocaram em peregrinação ao Santuário da Nazaré variaram de ano para ano. Num levantamento efectuado pelo Arquivo Histórico da Confraria de Nossa Senhora da Nazaré [7] foram identificados como tendo vindo à Nazaré os seguintes círios: Abrigada (concelho de Alenquer); Ajuda (de Lisboa); Alcobaça; Alfeizerão; Alhandra; Aljubarrota; Almargem; Alpedriz; Arranhol; Caldas da Rainha; Cela; Colares; Coimbra; Cós; Espinhal, Évora de Alcobaça; Famalicão (da Nazaré); Juncal; Leiria; Leiria (zona rural, mais concretamente: Mata Mourisca; Souto; Coimbrão; Carvide; Maceira; Monte redondo; Amor; Vieira e Monte Real); Lisboa; Loures; Óbidos; Prata Grande (que engloba as seguintes localidades dos concelhos de Mafra e Sintra: Igreja Nova; Mafra; Santo Isidoro; Montelavar; Cheleiros; Encarnação; S. Pedro da Cadeira; Ericeira; Reguengo da Carvoeira; Alcainça; Terrugem; S. João das Lampas; Sobral da Abelheira; Santo Estêvão das Galés; Gradil; Azueira e Enxara do Bispo); Queluz; Maceira; Maiorga; Marinha Grande; Martingança; Mata Cães; Penela; Porto de Mós; Trocifal; São Pedro de Dois Porto; Santarém; Sintra; Olhalvo (concelho de Alenquer) e Tornada.
Não eram só as camadas populares que vinham em peregrinação a Senhora da Nazaré. Os círios eram compostos por pessoas de todas os estratos sociais. Em peregrinação a Virgem vieram igualmente figuras importantes da História de Portugal, como Vasco da Gama e São Francisco Xavier [8] e também vários monarcas [9], entre os quais D. Afonso Henriques; D. Sancho I; D. Fernando; D. João I; D. João II; D. Manuel I e sua terceira mulher Dona Leonor (que terá oferecido ao Santuário aquando da sua visita em 1520 um Calvário flamengo [10]; o Cardeal-Rei D. Henrique; D. João III; D. Sebastião; D. Pedro II e a rainha Dona Maria Sofia; D. José; Dona Maria I; D. João VI; D. Miguel; D. Pedro V; D. Luís; D. Carlos e a rainha Dona Amélia e D. Manuel II.
As peregrinações ao Santuário assumiam-se como um momento de sociabilidade, de religiosidade mas também de festa. Por todo o Sitio, executada por instrumentos de corda, charamelas, atabaldes, timbales e tantos outros, havia música, rodopiava-se nos bailes, representavam-se comédias que, se não primavam pela arte de representar, patenteavam uma crítica social mordaz aliada aos mais sadios preceitos da moralidade. Os próprios mascarados, numa simbiose perfeitamente aceitável para o tempo entre o religioso e o profano, entravam mesmo no Santuário, assistindo respeitosamente às celebrações litúrgicas em honra de Nossa Senhora de Nazaré. Igualmente se divertiam com a realização de jogos de canas, corridas de patos, escaramuças e outros divertimentos, havendo até a atribuição de prémios aos que mais se distinguiam. Vistoso e abundante era o fogo de artifício, em especial o chamado jardim de fogo, queimado durante as festividades [11].
Durante o século XX as peregrinações ao Santuário de Nossa Senhora da Nazaré diminuíram substancialmente, sobretudo com o aparecimento do Santuário de Nossa Senhora de Fátima a apenas alguns quilómetros de distância. Houve contudo círios que nunca deixaram de fazer a sua peregrinação anual e que ainda hoje se deslocam ao Santuário da Virgem de Nazaré, como são os casos dos círios da Prata Grande e de Olhalvo.
Com o desenvolvimento do turismo religioso temos assistido nos últimos anos a um aumento no número de visitas ao Santuário, quer por ocasião das datas principais do Santuário de Fátima – 13 de Maio e 13 de Outubro – quer durante o Verão, altura ema que a praia da Nazaré recebe milhares de visitantes, que gostam sempre de visitar a Senhora da Nazaré, a Ermida da Memória e espreitar, empoleirados no muro, a marca da pata do cavalo de D. Fuas Roupinho.
[1] PENTEADO, Pedro, Peregrinações Colectivas ao Santuário de Nossa Senhora de Nazaré (Portugal) nos séculos XVII e XVIII, separata da revista Cultura – revista de História e Teoria das Ideias, vol. X (2.ª Série).
[2] ESPÍRITO SANTO, Moisés, Cinco Mil anos de Cultura a Oeste. Etno-História da Religião Popular numa região da Estremadura, Lisboa: Assírio & Alvim, 2004.
[3] PENTEADO, Pedro, A Senhora da Berlinda. Devoção e Aparato do Círio da Prata Grande à Virgem de Nazaré, Ericeira: Mar de Letras Editora, 1999.
[4] Esta obra foi recentemente reeditada pela Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, em colaboração com a Colibri e com edição de Pedro Penteado. Constitui o 1 volume da colecção “Estudos e Fontes” lançada pela Confraria em 2001.
[5] PENTEADO, Pedro, Peregrinos da Memória. O Santuário de Nossa Senhora da Nazaré 1600 – 1785, Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa da U.C.P, 1998, p. 97.
[6] Idem, Ibidem, p. 98.
[7] SILVESTRE, Miguel Ângelo Pires Trindade, Levantamento Histórico dos Círios à Senhora da Nazaré, Arquivo Histórico da Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, 2004.
[8] ALÃO, Manuel de Brito, Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa Senhora da Nazaré, Pedro Penteado (Ed.), Lisboa: Edições Colibri e Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, 2001, pp. 101 e 102.
[9] MACHADO, Maria Antónia Saavedra, MACHADO, João L. Saavedra, Nossa Senhora de Nazaré na Iconografia Mariana, Nazaré: Museu do Dr. Joaquim Manso; 1982, p. 14.
[10] MOREIRA, Rafael, “A importação de obras de arte em Portugal no século XVI”, in. Da Flandres ao Oriente. Escultura Importada. Colecção Miguel Pinto, Lisboa: Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves/ IPM, 2002, p. 20.
[11] MACHADO, Maria Antónia Saavedra, MACHADO, João L. Saavedra, op. Cit., p. 15.
NOTA: Para além das obras já citadas foram igualmente utilizadas na feitura deste texto as seguintes obras: Loas a Maria. Religiosidade popular em Portugal, de Lucília José JUSTINO, Lisboa: Edições Colibri e FCSH da UNL, 2004 e, de Pedro PENTEADO, “As Festas da Senhora de Nazaré nos séculos XVII e XVIII”, Separata dos Cadernos do Noroeste, volume 9, n.º 2, 1996.
Nossa Senhora da Nazaré
Tânia Rocha
Da lenda à realidade
Venerada há séculos, a imagem da Nossa Senhora da Nazaré, ainda hoje atrai milhares de peregrinos. É no dia oito de Setembro, feriado municipal, que a população nazarena e outros crentes religiosos se juntam para celebrar a veneração, dedicação e agradecimentos à santa.
Este dia é dedicado à Nossa Senhora da Nazaré desde meados do século XVIII, dia da natividade da Virgem Maria. No período anterior a este século, celebrava-se a cinco de Agosto. Anteriormente ao século XVII, a estátua, encontrada nos rochedos do promontório, era adorada como sendo a Virgem do Leite. Só após o milagre de Dom Fuas Roupinho, a catorze de Setembro de 1182, e com os registos do milagre por Frei Bernardo de Brito, no século XVI, a imagem passou a ser denominada como a imagem de Nossa Senhora da Nazaré. Conta-se até à data quase nove séculos de devoção e crença na Virgem.
Vêm em excursões, de várias partes do país e de todos os cantos do mundo à procura do elemento ainda hoje existente de uma história, que segundo dizem, remonta os primórdios do nascimento de Cristo. Além da imagem da santa, os peregrinos ou simples curiosos procuram ver a marca da pata do cavalo associado à lenda, assim como a Ermida da Memória e o Santuário de Nossa Senhora da Nazaré.
Segundo reza a lenda, a imagem hoje venerada como imagem de Nossa Senhora da Nazaré tem origens de Nazaré da Galileia, esculpida em madeira pelo próprio São José e pintada por São Lucas. Passou por várias mãos e atravessou vários continentes, até ser trazida por Santo Agostinho, para a Península Ibérica, como oferta ao Mosteiro de Cauliniana, em Mérida.
Com a derrota cristã na Batalha de Guadalete, o rei Dom Rodrigo refugiou-se no mosteiro e posteriormente fugiu para ocidente com o Frei Romano, levando consigo a sagrada imagem e alguns bens.
Quando chegaram ao Monte de São Bartolomeu, em Novembro de 714, a viagem em conjunto terminou, uma vez que o rei Dom Rodrigo quis viver isolado no monte. Após a sua decisão, o Frei Romano dirigiu-se para o promontório, levando consigo todas as relíquias. Para comunicarem e darem um sinal de vida, os dois acordaram acender, no final de todas as tardes, uma fogueira ao cimo do monte onde viviam. Um dia, Dom Rodrigo quebrou o seu isolamento ao não avistar o sinal de fogo do seu companheiro. Dirigiu-se para o promontório, altura em que constatou que o seu amigo havia falecido.
Após sepultar o corpo do Frei, junto do abrigo, que este tinha construído e onde guardava a imagem e os outros bens, Dom Rodrigo partiu. No local deixou esquecidos todos os objectos que os tinham acompanhado durante a viagem.
A imagem permaneceu naquele local ao longo de quatro séculos. Dizem ter sido encontrada no século XII, primeiramente por pastores que deambulavam pelas matas circundantes, mas outra face da história, diz ter sido encontrada por Dom Fuas Roupinho, alcaide-mor de Porto de Mós, numa das suas habituais caças pela região. Após ter descoberto a imagem da Virgem, começou a venerá-la desde aquele momento, representando desta forma um dos seus símbolos de fé.
Reza a lenda que num dia nublado de caça habitual pelas redondezas, Dom Fuas Roupinho perseguia um cervo que o conduziu até à beira do precipício. Quando o cavaleiro percebeu que estava prestes a sofrer um fatal acidente, invocou a protecção da virgem. Nesse preciso momento apareceu a imagem da virgem com o menino ao colo, e o cavalo estacou na pedra, poupando a vida do cavaleiro. Ainda hoje é visível na rocha, o que dizem ser a marca da pata do cavalo.
Como agradecimento, o cavaleiro, alcaide de Porto de Mós e almirante de D. Afonso Henriques, doou aquele território à Senhora da Nazaré e mandou ali edificar uma ermida, no Bico da Memória, em homenagem à Virgem. Em 1377, Dom Fernando, rei de Portugal, mandou construir uma igreja, que posteriormente se transformou no magno Santuário de Nossa Senhora da Nazaré. A imagem foi trasladada para o Santuário e, em 1600, o Frei Bernardo de Brito, desobstruiu a gruta subterrânea e colocou nela um letreiro em que registava a “estória” da Sagrada Imagem.
Desde que o milagre de Nossa Senhora da Nazaré aconteceu, os rumores se espalharam atraindo milhares de peregrinos que ainda hoje visitam a Nazaré em romaria, para apreciar e visualizar os elementos vivos da lenda.
Após o dito milagre, e da proliferação do acontecimento, começaram a chegar ao local os primeiros romeiros e nobres da corte. A história foi registada pela primeira vez pelo monge Bernardo de Alcobaça, Frei Bernardo de Brito, no século XVI. Foi a partir desta altura que a imagem começou a ser associada a Dom Fuas Roupinho e a partir do século XVII foi proclamada como Nossa Senhora da Nazaré.
Desde o milagre, e com a difusão dos escritos, houve um aumento significativo do número de romeiros, crentes e de ofertas à virgem, não só pelos visitantes, mas também pelo povo nazareno. Algumas dessas dádivas estão junto à santa, no Santuário de Nossa Senhora da Nazaré, são vários os objectos valiosos, entre eles são visíveis muitas jóias em ouro e prata.
Os devotos rapidamente aceitaram e acreditaram na narrativa, uma vez que eram visíveis alguns dos elementos fundamentais da lenda, não descorando o prestígio e credibilidade do Mosteiro de Alcobaça. Além da oralidade dos devotos e da versão escrita, em diversas línguas, o milagre foi replicado também em registos iconográficos e aceite pela Coroa Portuguesa ao proteger os direitos jurisdicionais da Irmandade e do rei sobre o local, aquando da doação do território por Dom Fuas Roupinho.
A mistura do religioso e do profano
A devoção à Nossa Senhora da Nazaré permanece viva até aos nossos dias. É no mês de Setembro que as gentes se juntam e lembram o aparecimento e milagre associado à Santa. Entre festas e culto religioso, as celebrações estendem-se durante a primeira metade do mês, sendo que, é no dia oito de Setembro o dia dedicado à Nossa Senhora da Nazaré, desde o século XVIII.
O programa religioso, de 30 de Agosto a catorze de Setembro, contempla a novena preparatória no Santuário, de 30 de Agosto a sete de Setembro e as celebrações Eucarísticas, de um a catorze do mesmo mês. Mas é no dia oito que há um maior número de celebrações, nomeadamente o hastear das bandeiras e a procissão solene, com a imagem da santa. No dia treze, na parte da manhã, além da Eucaristia no Santuário, antecedida pela presença dos Círios das paróquias de Olhalvo e Penela, há a missa no período da tarde. O programa é encerrado no dia catorze, com a missa solene às onze horas.
Relativamente ao programa das festividades, há um conjunto de animações que dão vida e cor ao Parque Atlântico, local onde se celebram actualmente as conhecidas “Festas do Sítio”, ou as festas em honra de Nossa Senhora da Nazaré, de cinco a catorze do mês corrente.
Do elenco de eventos fazem parte alguns concertos, danças, gastronomia, fogo-de-artifício, a feira, com todo o tipo de actividades comerciais e várias diversões, além da tradicional tourada no dia oito, na Praça de Touros da Nazaré.
Os Círios
Desde o século XVII foram muitos os povos, de diversas localidades, que se deslocaram em romaria para prestar devoção à Nossa Senhora da Nazaré. Estão registados peregrinações colectivas provenientes da Pederneira, Penela, Santarém, Coimbra, Sintra, Colares, Mafra, São Pedro de Dois Portos, Almargem do Bispo, Óbidos, Porto de Mós, Alcobaça e Alhandra, pertencentes a cerca de 36 círios diferentes.
Actualmente já se contam um menor número. São dois os círios que ainda hoje estão presentes nas celebrações religiosas anuais, nomeadamente, o círio da Prata Grande e de Olhalvo. Contudo, o culto à Nossa Senhora da Nazaré é anterior a esta data, apesar de não haver registos físicos do mesmo, julga-se que as peregrinações colectivas remontam o início do século XV, e a crença na Imagem de Nossa Senhora da Nazaré começou a ganhar destaque a partir do milagre de Dom Fuas Roupinho, em 1182.
Segundo o autor de Tradições Religiosas entre o Tejo e o Sado, Luís Marques, um círio “é uma confraria popular que anualmente se desloca a um santuário, em cumprimento da promessa antiga e colectiva feita pela povoação, em tempos idos”. Esta promessa pode ser apenas o compromisso em venerar a imagem.
No caso de Nossa Senhora da Nazaré, os círios deslocam-se em romaria, no dia oito de Setembro, no sentido de prestar homenagem e devoção à Virgem.
Feriado Municipal
Não é desde sempre que o feriado municipal se festeja no mesmo dia dedicado à Nossa Senhora da Nazaré. De 1899 até 1951, o feriado municipal era comemorado no dia três de Setembro, dia em que se celebrava a restauração do concelho de Pederneira. Outrora, o concelho de Pederneira designou toda a vila e território que hoje conhecemos com a denominação de Nazaré.
Este dia era celebrado por várias festividades, que foram perdendo dimensão ao longo do tempo, e com a ajuda de mudanças legislativas nacionais, que estabeleceram novas normas para os feriados municipais, este dia acabou por cair no esquecimento.
Desta forma, actualmente o dia de feriado municipal, feriado religioso, festeja-se a oito de Setembro, dia devoto a Nossa Senhora da Nazaré. O aniversário da restauração do concelho de Pederneira caiu no esquecimento e hoje não há qualquer celebração no concelho, deste importante facto histórico.
Devido a falta de documentação não podemos afirmar com certeza a data ou as origens do culto à Nossa Senhora da Nazaré. Segundo o historiador Pedro Penteado a história deste lugar sagrado encontra-se pouco documentada para o período anterior ao século XVII. Sabe-se contudo, que já era conhecido na centúria de trezentos. O culto, que decorria numa ermida litorânea que o rei D. Fernando teria mandado alargar em 1377, centrava-se numa imagem medieva da Virgem do Leite, sob a invocação de Santa Maria de Nazaré [1].
Tudo aponta para que este culto seja, de facto, bastante antigo, até porque como diz o etnólogo Moíses Espírito Santo, os cultos populares não são criados por ninguém. Resultam dum acumulado de vivências não referidas por escrito, até que eventualmente um escritor os descubra, revele e reinterprete, proporcionando assim a sua difusão e, com isso, o seu desenvolvimento. É o que se teria também passado com a lenda e o culto da Senhora da Nazaré [2].
Tal como hoje, os homens sempre tiveram a necessidade de procurar um contacto mais próximo/intimo com Deus. Esta procura traduziu-se muitas vezes na realização de peregrinações aos locais onde o divino tinha já manifestado a sua presença, como foi o caso do Santuário de Nossa Senhora da Nazaré.
Na obra A Senhora da Berlinda, dedicada ao estudo de uma das mais importantes peregrinações à Senhora da Nazaré – o Círio da Prata Grande – Pedro Penteado afirma que alguns autores defendem que as peregrinações colectivas ao Sítio tiveram início no século XV. Contudo se exceptuarmos o caso da Confraria da Pederneira, que ali festejava a 5 de Agosto e regressava no mesmo dia, não há conhecimento de visitas comunitárias ao santuário antes de 1608 - 1610, anos em que surgem as primeiras referências documentais explícitas às confrarias de Coimbra e de Penela, a mais antiga de todas. As grandes peregrinações só se efectuaram a partir do momento em que foram criadas condições específicas para o seu acolhimento, com a construção das “casas grandes dos romeiros” e o aparecimento das primeiras habitações no povoado, no início do século XVII. Assim, pode afirmar-se que foi apenas depois da Senhora de Nazaré ter dado provas da sua capacidade de protecção individual dos devotos que aumentou o número destas manifestações religiosas, as quais contribuíram para o revigoramento do santuário [3].
Os círios à Virgem de Nazaré constituíram-se como uma das manifestações religiosas mais importantes do Santuário, sendo referidos como tal nas obras Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa Senhora da Nazaré de Manuel de Brito Alão, publicada pela primeira vez no ano de 1627 [4] e, Memórias da Real Casa de N. S. da Nazareth, obra manuscrita de José d’Almeida Salazar, de 1844.
O Santuário de Nossa Senhora da Nazaré recebia a visita de círios de vários pontos do país. Brito Alão refere no seu livro as peregrinações, organizadas geralmente por confrarias, provenientes da Pederneira, Penela, Santarém, Coimbra, Sintra, Colares, Mafra “e seus termos”, São Pedro de Dois Portos, Almargem do Bispo, Óbidos “e seu termo”, Porto de Mós, Alcobaça e Alhandra.
Mas quais seriam as razões que levavam estas populações a acorreram ao santuário do Sítio? Pedro Penteado, no seu estudo sobre o Santuário, fala-nos de um conjunto de motivações diversificadas [5], mas aponta como factor principal as motivações religiosas e, em alguns casos, mágicas (…). Um estímulo considerável à deslocação consistia na satisfação das promessas à Virgem, por parte dos crentes. Eram estas que traduziam a sua capacidade em ouvir e atender os fiéis, nos momentos mais difíceis da sua vida. Por isso, o agradecimento à Virgem, na sua “casa própria”, era um reconhecimento da sua grandeza e um pedido humilde dos peregrinos para que a Mãe de Cristo continuasse a interceder pela satisfação das suas súplicas. Mas esse reconhecimento podia assumir características colectivas, traduzindo-se na participação do peregrino na festa que os homens da sua comunidade organizavam à Senhora da Nazaré, no seu Santuário. Outros vinham adorar a divindade local onde a oração mais íntima possuía uma eficácia particular ou, pura e simplesmente, solicitar-lhe a realização de um milagre. Também o contacto com a terra, a rocha ou o vestuário que tinha estado próximos da Sagrada Imagem da Senhora, forneciam ao peregrino um conjunto de benefícios e protecções que dificilmente teria se permanecesse na sua comunidade de origem. Muitos peregrinos vinham ali pedir a protecção da Virgem para a sua vida quotidiana, prometendo regressar com as suas ofertas se fossem devidamente premiados com a atenção da Senhora. Outros solicitavam-lhe o fim das doenças que os apoquentam ou invocavam-na para que afastasse deles o demónio e os seus agentes, conservando-os longe dos caminhos do Mal. Não esqueçamos que a Senhora de Nazaré manifestara, no caso de D. Fuas, a sua propensão para evitar a queda dos seus devotos no abismo provocado pela atracção de Satanás [6].
As muitas comunidades que se deslocaram em peregrinação ao Santuário da Nazaré variaram de ano para ano. Num levantamento efectuado pelo Arquivo Histórico da Confraria de Nossa Senhora da Nazaré [7] foram identificados como tendo vindo à Nazaré os seguintes círios: Abrigada (concelho de Alenquer); Ajuda (de Lisboa); Alcobaça; Alfeizerão; Alhandra; Aljubarrota; Almargem; Alpedriz; Arranhol; Caldas da Rainha; Cela; Colares; Coimbra; Cós; Espinhal, Évora de Alcobaça; Famalicão (da Nazaré); Juncal; Leiria; Leiria (zona rural, mais concretamente: Mata Mourisca; Souto; Coimbrão; Carvide; Maceira; Monte redondo; Amor; Vieira e Monte Real); Lisboa; Loures; Óbidos; Prata Grande (que engloba as seguintes localidades dos concelhos de Mafra e Sintra: Igreja Nova; Mafra; Santo Isidoro; Montelavar; Cheleiros; Encarnação; S. Pedro da Cadeira; Ericeira; Reguengo da Carvoeira; Alcainça; Terrugem; S. João das Lampas; Sobral da Abelheira; Santo Estêvão das Galés; Gradil; Azueira e Enxara do Bispo); Queluz; Maceira; Maiorga; Marinha Grande; Martingança; Mata Cães; Penela; Porto de Mós; Trocifal; São Pedro de Dois Porto; Santarém; Sintra; Olhalvo (concelho de Alenquer) e Tornada.
Não eram só as camadas populares que vinham em peregrinação a Senhora da Nazaré. Os círios eram compostos por pessoas de todas os estratos sociais. Em peregrinação a Virgem vieram igualmente figuras importantes da História de Portugal, como Vasco da Gama e São Francisco Xavier [8] e também vários monarcas [9], entre os quais D. Afonso Henriques; D. Sancho I; D. Fernando; D. João I; D. João II; D. Manuel I e sua terceira mulher Dona Leonor (que terá oferecido ao Santuário aquando da sua visita em 1520 um Calvário flamengo [10]; o Cardeal-Rei D. Henrique; D. João III; D. Sebastião; D. Pedro II e a rainha Dona Maria Sofia; D. José; Dona Maria I; D. João VI; D. Miguel; D. Pedro V; D. Luís; D. Carlos e a rainha Dona Amélia e D. Manuel II.
As peregrinações ao Santuário assumiam-se como um momento de sociabilidade, de religiosidade mas também de festa. Por todo o Sitio, executada por instrumentos de corda, charamelas, atabaldes, timbales e tantos outros, havia música, rodopiava-se nos bailes, representavam-se comédias que, se não primavam pela arte de representar, patenteavam uma crítica social mordaz aliada aos mais sadios preceitos da moralidade. Os próprios mascarados, numa simbiose perfeitamente aceitável para o tempo entre o religioso e o profano, entravam mesmo no Santuário, assistindo respeitosamente às celebrações litúrgicas em honra de Nossa Senhora de Nazaré. Igualmente se divertiam com a realização de jogos de canas, corridas de patos, escaramuças e outros divertimentos, havendo até a atribuição de prémios aos que mais se distinguiam. Vistoso e abundante era o fogo de artifício, em especial o chamado jardim de fogo, queimado durante as festividades [11].
Durante o século XX as peregrinações ao Santuário de Nossa Senhora da Nazaré diminuíram substancialmente, sobretudo com o aparecimento do Santuário de Nossa Senhora de Fátima a apenas alguns quilómetros de distância. Houve contudo círios que nunca deixaram de fazer a sua peregrinação anual e que ainda hoje se deslocam ao Santuário da Virgem de Nazaré, como são os casos dos círios da Prata Grande e de Olhalvo.
Com o desenvolvimento do turismo religioso temos assistido nos últimos anos a um aumento no número de visitas ao Santuário, quer por ocasião das datas principais do Santuário de Fátima – 13 de Maio e 13 de Outubro – quer durante o Verão, altura ema que a praia da Nazaré recebe milhares de visitantes, que gostam sempre de visitar a Senhora da Nazaré, a Ermida da Memória e espreitar, empoleirados no muro, a marca da pata do cavalo de D. Fuas Roupinho.
[1] PENTEADO, Pedro, Peregrinações Colectivas ao Santuário de Nossa Senhora de Nazaré (Portugal) nos séculos XVII e XVIII, separata da revista Cultura – revista de História e Teoria das Ideias, vol. X (2.ª Série).
[2] ESPÍRITO SANTO, Moisés, Cinco Mil anos de Cultura a Oeste. Etno-História da Religião Popular numa região da Estremadura, Lisboa: Assírio & Alvim, 2004.
[3] PENTEADO, Pedro, A Senhora da Berlinda. Devoção e Aparato do Círio da Prata Grande à Virgem de Nazaré, Ericeira: Mar de Letras Editora, 1999.
[4] Esta obra foi recentemente reeditada pela Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, em colaboração com a Colibri e com edição de Pedro Penteado. Constitui o 1 volume da colecção “Estudos e Fontes” lançada pela Confraria em 2001.
[5] PENTEADO, Pedro, Peregrinos da Memória. O Santuário de Nossa Senhora da Nazaré 1600 – 1785, Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa da U.C.P, 1998, p. 97.
[6] Idem, Ibidem, p. 98.
[7] SILVESTRE, Miguel Ângelo Pires Trindade, Levantamento Histórico dos Círios à Senhora da Nazaré, Arquivo Histórico da Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, 2004.
[8] ALÃO, Manuel de Brito, Antiguidade da Sagrada Imagem de Nossa Senhora da Nazaré, Pedro Penteado (Ed.), Lisboa: Edições Colibri e Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, 2001, pp. 101 e 102.
[9] MACHADO, Maria Antónia Saavedra, MACHADO, João L. Saavedra, Nossa Senhora de Nazaré na Iconografia Mariana, Nazaré: Museu do Dr. Joaquim Manso; 1982, p. 14.
[10] MOREIRA, Rafael, “A importação de obras de arte em Portugal no século XVI”, in. Da Flandres ao Oriente. Escultura Importada. Colecção Miguel Pinto, Lisboa: Casa-Museu Dr. Anastácio Gonçalves/ IPM, 2002, p. 20.
[11] MACHADO, Maria Antónia Saavedra, MACHADO, João L. Saavedra, op. Cit., p. 15.
NOTA: Para além das obras já citadas foram igualmente utilizadas na feitura deste texto as seguintes obras: Loas a Maria. Religiosidade popular em Portugal, de Lucília José JUSTINO, Lisboa: Edições Colibri e FCSH da UNL, 2004 e, de Pedro PENTEADO, “As Festas da Senhora de Nazaré nos séculos XVII e XVIII”, Separata dos Cadernos do Noroeste, volume 9, n.º 2, 1996.
Nossa Senhora da Nazaré
Tânia Rocha
Da lenda à realidade
Venerada há séculos, a imagem da Nossa Senhora da Nazaré, ainda hoje atrai milhares de peregrinos. É no dia oito de Setembro, feriado municipal, que a população nazarena e outros crentes religiosos se juntam para celebrar a veneração, dedicação e agradecimentos à santa.
Este dia é dedicado à Nossa Senhora da Nazaré desde meados do século XVIII, dia da natividade da Virgem Maria. No período anterior a este século, celebrava-se a cinco de Agosto. Anteriormente ao século XVII, a estátua, encontrada nos rochedos do promontório, era adorada como sendo a Virgem do Leite. Só após o milagre de Dom Fuas Roupinho, a catorze de Setembro de 1182, e com os registos do milagre por Frei Bernardo de Brito, no século XVI, a imagem passou a ser denominada como a imagem de Nossa Senhora da Nazaré. Conta-se até à data quase nove séculos de devoção e crença na Virgem.
Vêm em excursões, de várias partes do país e de todos os cantos do mundo à procura do elemento ainda hoje existente de uma história, que segundo dizem, remonta os primórdios do nascimento de Cristo. Além da imagem da santa, os peregrinos ou simples curiosos procuram ver a marca da pata do cavalo associado à lenda, assim como a Ermida da Memória e o Santuário de Nossa Senhora da Nazaré.
Segundo reza a lenda, a imagem hoje venerada como imagem de Nossa Senhora da Nazaré tem origens de Nazaré da Galileia, esculpida em madeira pelo próprio São José e pintada por São Lucas. Passou por várias mãos e atravessou vários continentes, até ser trazida por Santo Agostinho, para a Península Ibérica, como oferta ao Mosteiro de Cauliniana, em Mérida.
Com a derrota cristã na Batalha de Guadalete, o rei Dom Rodrigo refugiou-se no mosteiro e posteriormente fugiu para ocidente com o Frei Romano, levando consigo a sagrada imagem e alguns bens.
Quando chegaram ao Monte de São Bartolomeu, em Novembro de 714, a viagem em conjunto terminou, uma vez que o rei Dom Rodrigo quis viver isolado no monte. Após a sua decisão, o Frei Romano dirigiu-se para o promontório, levando consigo todas as relíquias. Para comunicarem e darem um sinal de vida, os dois acordaram acender, no final de todas as tardes, uma fogueira ao cimo do monte onde viviam. Um dia, Dom Rodrigo quebrou o seu isolamento ao não avistar o sinal de fogo do seu companheiro. Dirigiu-se para o promontório, altura em que constatou que o seu amigo havia falecido.
Após sepultar o corpo do Frei, junto do abrigo, que este tinha construído e onde guardava a imagem e os outros bens, Dom Rodrigo partiu. No local deixou esquecidos todos os objectos que os tinham acompanhado durante a viagem.
A imagem permaneceu naquele local ao longo de quatro séculos. Dizem ter sido encontrada no século XII, primeiramente por pastores que deambulavam pelas matas circundantes, mas outra face da história, diz ter sido encontrada por Dom Fuas Roupinho, alcaide-mor de Porto de Mós, numa das suas habituais caças pela região. Após ter descoberto a imagem da Virgem, começou a venerá-la desde aquele momento, representando desta forma um dos seus símbolos de fé.
Reza a lenda que num dia nublado de caça habitual pelas redondezas, Dom Fuas Roupinho perseguia um cervo que o conduziu até à beira do precipício. Quando o cavaleiro percebeu que estava prestes a sofrer um fatal acidente, invocou a protecção da virgem. Nesse preciso momento apareceu a imagem da virgem com o menino ao colo, e o cavalo estacou na pedra, poupando a vida do cavaleiro. Ainda hoje é visível na rocha, o que dizem ser a marca da pata do cavalo.
Como agradecimento, o cavaleiro, alcaide de Porto de Mós e almirante de D. Afonso Henriques, doou aquele território à Senhora da Nazaré e mandou ali edificar uma ermida, no Bico da Memória, em homenagem à Virgem. Em 1377, Dom Fernando, rei de Portugal, mandou construir uma igreja, que posteriormente se transformou no magno Santuário de Nossa Senhora da Nazaré. A imagem foi trasladada para o Santuário e, em 1600, o Frei Bernardo de Brito, desobstruiu a gruta subterrânea e colocou nela um letreiro em que registava a “estória” da Sagrada Imagem.
Desde que o milagre de Nossa Senhora da Nazaré aconteceu, os rumores se espalharam atraindo milhares de peregrinos que ainda hoje visitam a Nazaré em romaria, para apreciar e visualizar os elementos vivos da lenda.
Após o dito milagre, e da proliferação do acontecimento, começaram a chegar ao local os primeiros romeiros e nobres da corte. A história foi registada pela primeira vez pelo monge Bernardo de Alcobaça, Frei Bernardo de Brito, no século XVI. Foi a partir desta altura que a imagem começou a ser associada a Dom Fuas Roupinho e a partir do século XVII foi proclamada como Nossa Senhora da Nazaré.
Desde o milagre, e com a difusão dos escritos, houve um aumento significativo do número de romeiros, crentes e de ofertas à virgem, não só pelos visitantes, mas também pelo povo nazareno. Algumas dessas dádivas estão junto à santa, no Santuário de Nossa Senhora da Nazaré, são vários os objectos valiosos, entre eles são visíveis muitas jóias em ouro e prata.
Os devotos rapidamente aceitaram e acreditaram na narrativa, uma vez que eram visíveis alguns dos elementos fundamentais da lenda, não descorando o prestígio e credibilidade do Mosteiro de Alcobaça. Além da oralidade dos devotos e da versão escrita, em diversas línguas, o milagre foi replicado também em registos iconográficos e aceite pela Coroa Portuguesa ao proteger os direitos jurisdicionais da Irmandade e do rei sobre o local, aquando da doação do território por Dom Fuas Roupinho.
A mistura do religioso e do profano
A devoção à Nossa Senhora da Nazaré permanece viva até aos nossos dias. É no mês de Setembro que as gentes se juntam e lembram o aparecimento e milagre associado à Santa. Entre festas e culto religioso, as celebrações estendem-se durante a primeira metade do mês, sendo que, é no dia oito de Setembro o dia dedicado à Nossa Senhora da Nazaré, desde o século XVIII.
O programa religioso, de 30 de Agosto a catorze de Setembro, contempla a novena preparatória no Santuário, de 30 de Agosto a sete de Setembro e as celebrações Eucarísticas, de um a catorze do mesmo mês. Mas é no dia oito que há um maior número de celebrações, nomeadamente o hastear das bandeiras e a procissão solene, com a imagem da santa. No dia treze, na parte da manhã, além da Eucaristia no Santuário, antecedida pela presença dos Círios das paróquias de Olhalvo e Penela, há a missa no período da tarde. O programa é encerrado no dia catorze, com a missa solene às onze horas.
Relativamente ao programa das festividades, há um conjunto de animações que dão vida e cor ao Parque Atlântico, local onde se celebram actualmente as conhecidas “Festas do Sítio”, ou as festas em honra de Nossa Senhora da Nazaré, de cinco a catorze do mês corrente.
Do elenco de eventos fazem parte alguns concertos, danças, gastronomia, fogo-de-artifício, a feira, com todo o tipo de actividades comerciais e várias diversões, além da tradicional tourada no dia oito, na Praça de Touros da Nazaré.
Os Círios
Desde o século XVII foram muitos os povos, de diversas localidades, que se deslocaram em romaria para prestar devoção à Nossa Senhora da Nazaré. Estão registados peregrinações colectivas provenientes da Pederneira, Penela, Santarém, Coimbra, Sintra, Colares, Mafra, São Pedro de Dois Portos, Almargem do Bispo, Óbidos, Porto de Mós, Alcobaça e Alhandra, pertencentes a cerca de 36 círios diferentes.
Actualmente já se contam um menor número. São dois os círios que ainda hoje estão presentes nas celebrações religiosas anuais, nomeadamente, o círio da Prata Grande e de Olhalvo. Contudo, o culto à Nossa Senhora da Nazaré é anterior a esta data, apesar de não haver registos físicos do mesmo, julga-se que as peregrinações colectivas remontam o início do século XV, e a crença na Imagem de Nossa Senhora da Nazaré começou a ganhar destaque a partir do milagre de Dom Fuas Roupinho, em 1182.
Segundo o autor de Tradições Religiosas entre o Tejo e o Sado, Luís Marques, um círio “é uma confraria popular que anualmente se desloca a um santuário, em cumprimento da promessa antiga e colectiva feita pela povoação, em tempos idos”. Esta promessa pode ser apenas o compromisso em venerar a imagem.
No caso de Nossa Senhora da Nazaré, os círios deslocam-se em romaria, no dia oito de Setembro, no sentido de prestar homenagem e devoção à Virgem.
Feriado Municipal
Não é desde sempre que o feriado municipal se festeja no mesmo dia dedicado à Nossa Senhora da Nazaré. De 1899 até 1951, o feriado municipal era comemorado no dia três de Setembro, dia em que se celebrava a restauração do concelho de Pederneira. Outrora, o concelho de Pederneira designou toda a vila e território que hoje conhecemos com a denominação de Nazaré.
Este dia era celebrado por várias festividades, que foram perdendo dimensão ao longo do tempo, e com a ajuda de mudanças legislativas nacionais, que estabeleceram novas normas para os feriados municipais, este dia acabou por cair no esquecimento.
Desta forma, actualmente o dia de feriado municipal, feriado religioso, festeja-se a oito de Setembro, dia devoto a Nossa Senhora da Nazaré. O aniversário da restauração do concelho de Pederneira caiu no esquecimento e hoje não há qualquer celebração no concelho, deste importante facto histórico.
OLHALVO E A SUA TRADIÇÃO CENTENÁRIA
Círio de Olhalvo à Senhora da Nazaré 2 Out, 01:05h
Qual a verdade histórica e qual o seu futuro?
Círio de Olhalvo à Senhora da Nazaré
Há que não deixar enfraquecer a comunidade e há que assegurar a continuidade deste movimento, e os mais novos têm que ter a sabedoria humilde de beber a experiência que os “mais velhinhos” e os “iletrados” têm para lhes transmitir.
A propósito da chegada a Olhalvo do Círio que, a partir do ano de 1502, esta freguesia organiza ao Santuário de Nossa Senhora da Nazaré, e chegados ao fim do trabalho que efectuamos sobre ele, resta-nos fazer uma reflexão, dividida em três pequeníssimas partes: primeiro, a Igreja Católica e a Ciência; segundo, a fé e a verdade histórica e terceiro, o futuro do Círio.
Em primeiro, os elementos conhecidos até hoje ditam-nos que a Igreja Católica e a ciência não têm tido uma ligação muito amigável ao longo dos séculos. Um dos pontos mais marcantes do relacionamento entre a Igreja Católica e o Mundo Cientifico foi a controvérsia em torno da tese heliocêntrica do polaco Nicolau Copérnico, de 1514, concretizada no livro “Das revoluções das Esferas Celestes”, e que o italiano Galileu Galileia, em 1632, no livro “Diálogo sobre os grandes Sistemas do Universo” defendeu; consistia ela que o Sol é o centro do Universo, isto é, que a Terra gira à volta do Sol, deitando para o caixote do lixo a tese geocêntrica dos gregos Ptolomeu e Aristóteles, em que a Terra estaria parada no centro do universo, com os corpos celestes, incluindo o Sol, a girar à sua volta, tese esta defendida pela igreja de Roma.
Esta descoberta cientifica constrangia a Igreja a reinterpretar certas passagens da Bíblia, exactamente no momento menos oportuno para ela, pois estava em plena guerra com a Reforma Protestante de Lutero. Galileu Galileia acabou condenado e a doutrina da Igreja permaneceu fiel ao geocentrismo por muito tempo. 341 anos após a sua morte, em 1983, a mesma igreja, revendo o processo, decidiu absolvê-lo.
Outro conflito entre esta mesma Igreja e a ciência surgiu em 1859 quando o britânico Charles Robert Darwin escreveu “A Origem das Espécies”, onde propõe a teoria de que os organismos vivos evoluem gradualmente através da selecção natural. Mais tarde, em 1871, ao escrever “A Origem do Homem”, onde desenvolveu a teoria da selecção sexual e explicava detalhadamente a origem do ser humano, colidiu com a crença religiosa da “criação”, tal como ela é apresentada na Bíblia, no livro de Génesis; a crise da ciência com o catolicismo ficou ainda mais acentuada.
Entretanto, o cientista Eberlin, detentor de vários prémios científicos, afirmou que a verdadeira religião e a verdadeira ciência não são antagónicas, mas que se somam e se completam no mesmo ideal: o bem estar do homem, por isso podem conviver uma com a outra; mais ainda, a razão e a fé precisam de caminhar juntas, porque o homem precisa de ambas.
A mesma opinião tem outro cientista, Paiva, quando diz acreditar que “um cientista pode ser uma pessoa religiosa porque a ciência é apenas uma das referências para uma decisão englobante da vida como a religião e a irreligião”. Ele analisa essa relação, e afirma que “teoria científica é teoria científica; religião é religião. A ciência trata dos fenómenos da natureza e das suas leis; a religião trata da relação com Deus. Tanto faz se o homem foi criado directamente por Deus ou se apareceu por obra da evolução”.
Por outras palavras, a razão da ciência é baseada nos factos observáveis do tempo; a fé da religião é baseada no desígnio espiritual da eternidade. “O que o conhecimento e a razão não podem fazer por nós, a sabedoria verdadeira aconselha-nos a permitir que seja a fé a concretizar, por intermédio do discernimento religioso e da transformação espiritual.
E aqui entra a fé, que é o “acreditar e confiar, por qualquer raciocínio específico ou mesmo sem razão bem definida, numa crença, ou em dogmas de uma determinada religião, e a decisão de "ter fé" depende da vontade exclusiva de quem quer ter fé. Um dogma, no campo religioso é uma verdade divina, revelada e acatada pelos fiéis”.
No segundo ponto, vamos falar da fé e da verdade histórica do círio. A fé da população da freguesia de Olhalvo na Senhora da Nazaré é tão profunda que ela tem resistido a vários acontecimentos contemporâneos do seu círio, que ao longo dos anos têm posto em causa toda a doutrina filosófica da razão da sua existência. E estamos a referir-nos a Nicolau Copérnico (1514), a Galileu Galileia (1632) e a Darwin (1859), já acima mencionados, e mesmo aos estudos de Pedro Penteado, nosso contemporâneo, historiador da Torre do Tombo e da Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, quando afirma não existir nenhum documento coevo que confirme a existência de D. Fuas Roupinho, que a imagem da Senhora da Nazaré é um trabalho de uma oficina regional, datado dos séculos XIV-XV, o que “não permite aceitar, sem reservas, a historicidade duma das mais belas lendas portuguesas”.
Quer dizer, os seus estudos põem em causa não só a existência de D. Fuas Roupinho, como a data da imagem da Senhora da Nazaré, como do milagre que está na génese do fenómeno da Nazaré, incluindo as cerimónias religiosas que ali se fazem, incluindo todos os círios que para ali se dirigem, estando o círio da freguesia de Olhalvo também posto em causa, por falha de objectivo metafísico, quer no aspecto real quer no aspecto sobrenatural como, ainda, na relação entre um e outro; apesar de religião não ser Metafísica.
“Senhora, valei-me” foi a prece de D. Fuas Roupinho dirigida à Senhora da Nazaré, quando subitamente o abismo apareceu à frente dos seus olhos; e o milagre deu-se e o cavaleiro salvou-se. Que prece será necessário fazer-se, e dirigida a quem, para salvar o fenómeno nazareno, e tudo o que lhe está associado, de tão intermináveis abismos?
Finalmente, o terceiro ponto onde iremos debruçarmo-nos sobre o futuro do Círio.
Mais que um acto de fé, o círio da freguesia de Olhalvo é um acontecimento cultural; mais que passar uns dias fora da habituação saturante, é a aglutinação de muita gente para um objectivo comum, que é a terra e a comunidade, que é a tradição familiar de cinco séculos, independente da componente religiosa, que também existe. É um acontecimento que capta a atenção e a admiração das gentes de outros lugares; e admitamo-lo, sem custo, também alguma inveja.
Inclusive, o Círio já foi vítima de arremesso político, impulsos do exterior que encobertos por interesses alheios à freguesia, nada mais fizeram do que provocar o confronto de amigos contra amigos, enfraquecendo com isso a comunidade. Como dizia Madre Teresa de Calcutá “é fácil amar os que estão longe, mas nem sempre é fácil amar os que vivem ao nosso lado”. Mas também é verdade o que diz Jean-Paul Sartre: “quando os ricos fazem a guerra, são sempre os pobres que morrem”.
Há que não deixar enfraquecer a comunidade e há que assegurar a continuidade deste movimento, e os mais novos têm que ter a sabedoria humilde de beber a experiência que os “mais velhinhos” e os “iletrados” têm para lhes transmitir. Marguerite Yourcenar sustenta que “há mais do que uma sabedoria, e todas elas são necessárias ao mundo”.
Sobretudo, há que não desviar da magnificência desta gente, que sempre se disponibilizou “a custo zero”; o pior que poderá acontecer ao futuro do Círio da Freguesia de Olhalvo à Senhora da Nazaré, é haver a tentação dos olhalvenses se deixaram seduzir pelo mercantilismo da sua participação na liturgia. Não é esta a herança cultural que os seus bisavós lhes deixaram.”A fé nas obras se vê”.
Voltaire coloca a seguinte questão: “Existirá alguém tão esperto que aprenda pela experiência dos outros?”. Os jovens da freguesia de Olhalvo tem que ter essa esperteza; estamos convictos que sim.
Qual a verdade histórica e qual o seu futuro?
Círio de Olhalvo à Senhora da Nazaré
Há que não deixar enfraquecer a comunidade e há que assegurar a continuidade deste movimento, e os mais novos têm que ter a sabedoria humilde de beber a experiência que os “mais velhinhos” e os “iletrados” têm para lhes transmitir.
A propósito da chegada a Olhalvo do Círio que, a partir do ano de 1502, esta freguesia organiza ao Santuário de Nossa Senhora da Nazaré, e chegados ao fim do trabalho que efectuamos sobre ele, resta-nos fazer uma reflexão, dividida em três pequeníssimas partes: primeiro, a Igreja Católica e a Ciência; segundo, a fé e a verdade histórica e terceiro, o futuro do Círio.
Em primeiro, os elementos conhecidos até hoje ditam-nos que a Igreja Católica e a ciência não têm tido uma ligação muito amigável ao longo dos séculos. Um dos pontos mais marcantes do relacionamento entre a Igreja Católica e o Mundo Cientifico foi a controvérsia em torno da tese heliocêntrica do polaco Nicolau Copérnico, de 1514, concretizada no livro “Das revoluções das Esferas Celestes”, e que o italiano Galileu Galileia, em 1632, no livro “Diálogo sobre os grandes Sistemas do Universo” defendeu; consistia ela que o Sol é o centro do Universo, isto é, que a Terra gira à volta do Sol, deitando para o caixote do lixo a tese geocêntrica dos gregos Ptolomeu e Aristóteles, em que a Terra estaria parada no centro do universo, com os corpos celestes, incluindo o Sol, a girar à sua volta, tese esta defendida pela igreja de Roma.
Esta descoberta cientifica constrangia a Igreja a reinterpretar certas passagens da Bíblia, exactamente no momento menos oportuno para ela, pois estava em plena guerra com a Reforma Protestante de Lutero. Galileu Galileia acabou condenado e a doutrina da Igreja permaneceu fiel ao geocentrismo por muito tempo. 341 anos após a sua morte, em 1983, a mesma igreja, revendo o processo, decidiu absolvê-lo.
Outro conflito entre esta mesma Igreja e a ciência surgiu em 1859 quando o britânico Charles Robert Darwin escreveu “A Origem das Espécies”, onde propõe a teoria de que os organismos vivos evoluem gradualmente através da selecção natural. Mais tarde, em 1871, ao escrever “A Origem do Homem”, onde desenvolveu a teoria da selecção sexual e explicava detalhadamente a origem do ser humano, colidiu com a crença religiosa da “criação”, tal como ela é apresentada na Bíblia, no livro de Génesis; a crise da ciência com o catolicismo ficou ainda mais acentuada.
Entretanto, o cientista Eberlin, detentor de vários prémios científicos, afirmou que a verdadeira religião e a verdadeira ciência não são antagónicas, mas que se somam e se completam no mesmo ideal: o bem estar do homem, por isso podem conviver uma com a outra; mais ainda, a razão e a fé precisam de caminhar juntas, porque o homem precisa de ambas.
A mesma opinião tem outro cientista, Paiva, quando diz acreditar que “um cientista pode ser uma pessoa religiosa porque a ciência é apenas uma das referências para uma decisão englobante da vida como a religião e a irreligião”. Ele analisa essa relação, e afirma que “teoria científica é teoria científica; religião é religião. A ciência trata dos fenómenos da natureza e das suas leis; a religião trata da relação com Deus. Tanto faz se o homem foi criado directamente por Deus ou se apareceu por obra da evolução”.
Por outras palavras, a razão da ciência é baseada nos factos observáveis do tempo; a fé da religião é baseada no desígnio espiritual da eternidade. “O que o conhecimento e a razão não podem fazer por nós, a sabedoria verdadeira aconselha-nos a permitir que seja a fé a concretizar, por intermédio do discernimento religioso e da transformação espiritual.
E aqui entra a fé, que é o “acreditar e confiar, por qualquer raciocínio específico ou mesmo sem razão bem definida, numa crença, ou em dogmas de uma determinada religião, e a decisão de "ter fé" depende da vontade exclusiva de quem quer ter fé. Um dogma, no campo religioso é uma verdade divina, revelada e acatada pelos fiéis”.
No segundo ponto, vamos falar da fé e da verdade histórica do círio. A fé da população da freguesia de Olhalvo na Senhora da Nazaré é tão profunda que ela tem resistido a vários acontecimentos contemporâneos do seu círio, que ao longo dos anos têm posto em causa toda a doutrina filosófica da razão da sua existência. E estamos a referir-nos a Nicolau Copérnico (1514), a Galileu Galileia (1632) e a Darwin (1859), já acima mencionados, e mesmo aos estudos de Pedro Penteado, nosso contemporâneo, historiador da Torre do Tombo e da Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, quando afirma não existir nenhum documento coevo que confirme a existência de D. Fuas Roupinho, que a imagem da Senhora da Nazaré é um trabalho de uma oficina regional, datado dos séculos XIV-XV, o que “não permite aceitar, sem reservas, a historicidade duma das mais belas lendas portuguesas”.
Quer dizer, os seus estudos põem em causa não só a existência de D. Fuas Roupinho, como a data da imagem da Senhora da Nazaré, como do milagre que está na génese do fenómeno da Nazaré, incluindo as cerimónias religiosas que ali se fazem, incluindo todos os círios que para ali se dirigem, estando o círio da freguesia de Olhalvo também posto em causa, por falha de objectivo metafísico, quer no aspecto real quer no aspecto sobrenatural como, ainda, na relação entre um e outro; apesar de religião não ser Metafísica.
“Senhora, valei-me” foi a prece de D. Fuas Roupinho dirigida à Senhora da Nazaré, quando subitamente o abismo apareceu à frente dos seus olhos; e o milagre deu-se e o cavaleiro salvou-se. Que prece será necessário fazer-se, e dirigida a quem, para salvar o fenómeno nazareno, e tudo o que lhe está associado, de tão intermináveis abismos?
Finalmente, o terceiro ponto onde iremos debruçarmo-nos sobre o futuro do Círio.
Mais que um acto de fé, o círio da freguesia de Olhalvo é um acontecimento cultural; mais que passar uns dias fora da habituação saturante, é a aglutinação de muita gente para um objectivo comum, que é a terra e a comunidade, que é a tradição familiar de cinco séculos, independente da componente religiosa, que também existe. É um acontecimento que capta a atenção e a admiração das gentes de outros lugares; e admitamo-lo, sem custo, também alguma inveja.
Inclusive, o Círio já foi vítima de arremesso político, impulsos do exterior que encobertos por interesses alheios à freguesia, nada mais fizeram do que provocar o confronto de amigos contra amigos, enfraquecendo com isso a comunidade. Como dizia Madre Teresa de Calcutá “é fácil amar os que estão longe, mas nem sempre é fácil amar os que vivem ao nosso lado”. Mas também é verdade o que diz Jean-Paul Sartre: “quando os ricos fazem a guerra, são sempre os pobres que morrem”.
Há que não deixar enfraquecer a comunidade e há que assegurar a continuidade deste movimento, e os mais novos têm que ter a sabedoria humilde de beber a experiência que os “mais velhinhos” e os “iletrados” têm para lhes transmitir. Marguerite Yourcenar sustenta que “há mais do que uma sabedoria, e todas elas são necessárias ao mundo”.
Sobretudo, há que não desviar da magnificência desta gente, que sempre se disponibilizou “a custo zero”; o pior que poderá acontecer ao futuro do Círio da Freguesia de Olhalvo à Senhora da Nazaré, é haver a tentação dos olhalvenses se deixaram seduzir pelo mercantilismo da sua participação na liturgia. Não é esta a herança cultural que os seus bisavós lhes deixaram.”A fé nas obras se vê”.
Voltaire coloca a seguinte questão: “Existirá alguém tão esperto que aprenda pela experiência dos outros?”. Os jovens da freguesia de Olhalvo tem que ter essa esperteza; estamos convictos que sim.
domingo, 23 de agosto de 2009
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