quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

OLHALVO E A SUA TRADIÇÃO CENTENÁRIA

Círio de Olhalvo à Senhora da Nazaré 2 Out, 01:05h
Qual a verdade histórica e qual o seu futuro?
Círio de Olhalvo à Senhora da Nazaré

Há que não deixar enfraquecer a comunidade e há que assegurar a continuidade deste movimento, e os mais novos têm que ter a sabedoria humilde de beber a experiência que os “mais velhinhos” e os “iletrados” têm para lhes transmitir.

A propósito da chegada a Olhalvo do Círio que, a partir do ano de 1502, esta freguesia organiza ao Santuário de Nossa Senhora da Nazaré, e chegados ao fim do trabalho que efectuamos sobre ele, resta-nos fazer uma reflexão, dividida em três pequeníssimas partes: primeiro, a Igreja Católica e a Ciência; segundo, a fé e a verdade histórica e terceiro, o futuro do Círio.

Em primeiro, os elementos conhecidos até hoje ditam-nos que a Igreja Católica e a ciência não têm tido uma ligação muito amigável ao longo dos séculos. Um dos pontos mais marcantes do relacionamento entre a Igreja Católica e o Mundo Cientifico foi a controvérsia em torno da tese heliocêntrica do polaco Nicolau Copérnico, de 1514, concretizada no livro “Das revoluções das Esferas Celestes”, e que o italiano Galileu Galileia, em 1632, no livro “Diálogo sobre os grandes Sistemas do Universo” defendeu; consistia ela que o Sol é o centro do Universo, isto é, que a Terra gira à volta do Sol, deitando para o caixote do lixo a tese geocêntrica dos gregos Ptolomeu e Aristóteles, em que a Terra estaria parada no centro do universo, com os corpos celestes, incluindo o Sol, a girar à sua volta, tese esta defendida pela igreja de Roma.

Esta descoberta cientifica constrangia a Igreja a reinterpretar certas passagens da Bíblia, exactamente no momento menos oportuno para ela, pois estava em plena guerra com a Reforma Protestante de Lutero. Galileu Galileia acabou condenado e a doutrina da Igreja permaneceu fiel ao geocentrismo por muito tempo. 341 anos após a sua morte, em 1983, a mesma igreja, revendo o processo, decidiu absolvê-lo.

Outro conflito entre esta mesma Igreja e a ciência surgiu em 1859 quando o britânico Charles Robert Darwin escreveu “A Origem das Espécies”, onde propõe a teoria de que os organismos vivos evoluem gradualmente através da selecção natural. Mais tarde, em 1871, ao escrever “A Origem do Homem”, onde desenvolveu a teoria da selecção sexual e explicava detalhadamente a origem do ser humano, colidiu com a crença religiosa da “criação”, tal como ela é apresentada na Bíblia, no livro de Génesis; a crise da ciência com o catolicismo ficou ainda mais acentuada.

Entretanto, o cientista Eberlin, detentor de vários prémios científicos, afirmou que a verdadeira religião e a verdadeira ciência não são antagónicas, mas que se somam e se completam no mesmo ideal: o bem estar do homem, por isso podem conviver uma com a outra; mais ainda, a razão e a fé precisam de caminhar juntas, porque o homem precisa de ambas.

A mesma opinião tem outro cientista, Paiva, quando diz acreditar que “um cientista pode ser uma pessoa religiosa porque a ciência é apenas uma das referências para uma decisão englobante da vida como a religião e a irreligião”. Ele analisa essa relação, e afirma que “teoria científica é teoria científica; religião é religião. A ciência trata dos fenómenos da natureza e das suas leis; a religião trata da relação com Deus. Tanto faz se o homem foi criado directamente por Deus ou se apareceu por obra da evolução”.

Por outras palavras, a razão da ciência é baseada nos factos observáveis do tempo; a fé da religião é baseada no desígnio espiritual da eternidade. “O que o conhecimento e a razão não podem fazer por nós, a sabedoria verdadeira aconselha-nos a permitir que seja a fé a concretizar, por intermédio do discernimento religioso e da transformação espiritual.

E aqui entra a fé, que é o “acreditar e confiar, por qualquer raciocínio específico ou mesmo sem razão bem definida, numa crença, ou em dogmas de uma determinada religião, e a decisão de "ter fé" depende da vontade exclusiva de quem quer ter fé. Um dogma, no campo religioso é uma verdade divina, revelada e acatada pelos fiéis”.

No segundo ponto, vamos falar da fé e da verdade histórica do círio. A fé da população da freguesia de Olhalvo na Senhora da Nazaré é tão profunda que ela tem resistido a vários acontecimentos contemporâneos do seu círio, que ao longo dos anos têm posto em causa toda a doutrina filosófica da razão da sua existência. E estamos a referir-nos a Nicolau Copérnico (1514), a Galileu Galileia (1632) e a Darwin (1859), já acima mencionados, e mesmo aos estudos de Pedro Penteado, nosso contemporâneo, historiador da Torre do Tombo e da Confraria de Nossa Senhora da Nazaré, quando afirma não existir nenhum documento coevo que confirme a existência de D. Fuas Roupinho, que a imagem da Senhora da Nazaré é um trabalho de uma oficina regional, datado dos séculos XIV-XV, o que “não permite aceitar, sem reservas, a historicidade duma das mais belas lendas portuguesas”.

Quer dizer, os seus estudos põem em causa não só a existência de D. Fuas Roupinho, como a data da imagem da Senhora da Nazaré, como do milagre que está na génese do fenómeno da Nazaré, incluindo as cerimónias religiosas que ali se fazem, incluindo todos os círios que para ali se dirigem, estando o círio da freguesia de Olhalvo também posto em causa, por falha de objectivo metafísico, quer no aspecto real quer no aspecto sobrenatural como, ainda, na relação entre um e outro; apesar de religião não ser Metafísica.

“Senhora, valei-me” foi a prece de D. Fuas Roupinho dirigida à Senhora da Nazaré, quando subitamente o abismo apareceu à frente dos seus olhos; e o milagre deu-se e o cavaleiro salvou-se. Que prece será necessário fazer-se, e dirigida a quem, para salvar o fenómeno nazareno, e tudo o que lhe está associado, de tão intermináveis abismos?

Finalmente, o terceiro ponto onde iremos debruçarmo-nos sobre o futuro do Círio.

Mais que um acto de fé, o círio da freguesia de Olhalvo é um acontecimento cultural; mais que passar uns dias fora da habituação saturante, é a aglutinação de muita gente para um objectivo comum, que é a terra e a comunidade, que é a tradição familiar de cinco séculos, independente da componente religiosa, que também existe. É um acontecimento que capta a atenção e a admiração das gentes de outros lugares; e admitamo-lo, sem custo, também alguma inveja.

Inclusive, o Círio já foi vítima de arremesso político, impulsos do exterior que encobertos por interesses alheios à freguesia, nada mais fizeram do que provocar o confronto de amigos contra amigos, enfraquecendo com isso a comunidade. Como dizia Madre Teresa de Calcutá “é fácil amar os que estão longe, mas nem sempre é fácil amar os que vivem ao nosso lado”. Mas também é verdade o que diz Jean-Paul Sartre: “quando os ricos fazem a guerra, são sempre os pobres que morrem”.

Há que não deixar enfraquecer a comunidade e há que assegurar a continuidade deste movimento, e os mais novos têm que ter a sabedoria humilde de beber a experiência que os “mais velhinhos” e os “iletrados” têm para lhes transmitir. Marguerite Yourcenar sustenta que “há mais do que uma sabedoria, e todas elas são necessárias ao mundo”.

Sobretudo, há que não desviar da magnificência desta gente, que sempre se disponibilizou “a custo zero”; o pior que poderá acontecer ao futuro do Círio da Freguesia de Olhalvo à Senhora da Nazaré, é haver a tentação dos olhalvenses se deixaram seduzir pelo mercantilismo da sua participação na liturgia. Não é esta a herança cultural que os seus bisavós lhes deixaram.”A fé nas obras se vê”.

Voltaire coloca a seguinte questão: “Existirá alguém tão esperto que aprenda pela experiência dos outros?”. Os jovens da freguesia de Olhalvo tem que ter essa esperteza; estamos convictos que sim.

1 comentário:

tina disse...

Muito interessantes estes trabalhos!